Outro Espaço, Outra Arte
Movimento artísticos que influenciam, impactam e se transformam. O uso e apropriação de espaços não convencionais às artes.
ARTEESPAÇO
Christiane Martins
5/8/20247 min read


Os movimentos artísticos do princípio do século XX, como o Dadaísmo e o Futurismo, influenciaram profundamente as linguagens artísticas de vanguarda, como a body art e a performance, além de terem aberto o diálogo entre uma linguagem e outra, sem apreciar ou depreciar uma em relação à outra.
Esse fato fortaleceu e impulsionou a contracultura, no sentido de ir contra o regime estabelecido (tanto o social quanto o político), o que já se revelava desde a década de 1920. Assim, vemos a contracultura através de uma série de pontos de contato entre os existencialistas e os beatniks[1] das décadas de 1940 e 1950, que, em seu lado político, revelaram ao mundo um sentimento de incompletude, certo niilismo e uma ideologia de oposição ao status quo.
Mas, o fundamental, o que influenciou diretamente o campo das artes, foi o desejo de liberdade evocado pelos vanguardistas e existencialistas, e que se exacerbou nos artistas das décadas de 1960 e 1970, que buscavam, através de um determinado estilo de vida, romper com o tradicionalismo. Tal como numa luta interna, essa era uma maneira de protestar contra o sistema (social, político, econômico e cultural) sem se emancipar deste.
O artista, assim como qualquer pessoa, é influenciado pelo meio que o cerca, seja no sentido psicológico, seja no sentido físico, geográfico. Neste post, vamos nos ater a este último, o ambiente físico, a cidade em que vivemos, as construções em que habitamos, a natureza que nos resta.
Nossa relação com esses espaços tem se modificado mais significativamente a partir da revolução industrial, por ter ocorrido, naquele momento histórico, o maior aumento na densidade populacional em determinados espaços, principalmente nos polos industriais, o que possibilitou o crescimento e desenvolvimento dos centros urbanos, sendo uma de suas consequências a miscigenação existente até os dias de hoje, principalmente nas grandes cidades.
Dessa forma, modificamos nossas vidas por completo, mudamos também nossa forma de ver e estar no mundo; nossa noção de tempo e espaço transformou-se radicalmente (não que esta seja uma noção estática, ao contrário, está em constante mutação, contudo não tão veloz como se mostrou neste período histórico).
Quanto ao espaço utilizado pelo artista, este, na busca por experimentações, começa a querer fugir dos espaços convencionais, sejam galerias, museus ou teatros, e passa a intervir no espaço público e urbano percebendo esses ambientes como espaços com potencial para a criação artística.
Favorecendo-se de tal potencialidade, o artista passa a fazer desse espaço mais um elemento que compõe sua obra, pensando na relação real e mútua entre obra e espaço, onde aspectos antes imperceptíveis em ambos tornam-se visíveis por meio dessa fusão.
Disso advém a environmental art (arte espacial ou ambiental), que lida com a exibição do espaço físico como parte da obra, em que a relação obra-espaço se dá pela intervenção da obra sobre o espaço, ressignificando seu aspecto. Essa forma de fazer artístico labuta com a vontade do artista em romper com o status rotineiro do espaço, em variar o seu contexto já conhecido.
Apesar de a “arte espacial” se mostrar forte na década de 1960, com obras de artistas expoentes como Allan Kaprow[2] e Joseph Beuys[3], essa exploração do espaço já era feita na segunda década do século XX. Um exemplo disso é a obra Proun, de 1923, do construtivista El Lissitzky, que foi definida como “um espaço que se tornou meio de expressão integral através do laço orgânico entre arquitetura, plástica e os meios pictóricos” [4] (POLI, 2008, p. 158).
Ainda na década de 1960, vemos Allan Kaprow incluir um novo elemento à “arte espacial”, ao ressaltar o aspecto do público, provocando o envolvimento livre e direto deste com essas obras intervencionistas, dando a essas obras a capacidade de fornecer novos pontos de vista aos seus observadores. Além do que, esses espectadores poderão variar suas percepções relativas à obra e ao espaço, como também em relação ao seu papel de espectadores, já que acabam se tornando os ativadores da obra enquanto tal.
Outra manifestação artística que segue preceitos semelhantes à “arte espacial” é a Land Art[5] (arte da terra), termo empregado para definir o trabalho de artistas que fugiam do movimento da cidade e buscavam criar suas obras no entorno de espaços naturais, como desertos, praias, florestas.
Há, na Land Art, uma espécie de sublimação do meio ambiente em seu estado puro, selvagem, que serve como oposição ao estilo de vida do homem nas metrópoles. Há também uma ruptura com o caminho que a arte, principalmente a pop arte, vinha tomando, e a Land Art opta pela recusa do uso de materiais industrializados, valendo-se apenas de materiais naturais para sua composição, como terra, areia, água, pedras.
Apesar da Land Art se definir como uma linguagem essencialmente visual, que tenta modificar o espaço natural através dos elementos já existentes nesse espaço, ela acaba agindo como um dispositivo ressignificador, possibilitando uma nova escala em termos esculturais, o que, por fim, deu origem à Escultura Ambiental. Esta difere da “arte espacial”, mas é projetada com a ideia de envolver o espectador na obra, sendo este um fator relevante encontrado em boa parte das linhas artísticas ocidentais pós-guerra: a presença ativa do espectador em contato com a obra.
Disso podemos inferir que os muitos artistas desse período, principalmente os plásticos, como, por exemplo, Robert Smithson - que invadiu o Grande Lago Salgado, em Utah, nos Estados Unidos, para construir sua obra Molhe em espiral, em 1970 – exploravam opções além do campo espacial em que atuavam até então e, movidos pela agitação da pop arte, sentiram a necessidade de incorporar o ambiente físico, inclusive as pessoas, em suas obras, introduzindo nessas obras elementos tridimensionais e cotidianos, conhecidos como assemblages, que uniam elementos da pintura, da escultura, do teatro.
Esses diálogos entre artistas plásticos e cênicos se potencializam cada vez mais, e o uso do corpo ganha novas formas, este é, agora, sujeito e objeto da arte. Isso é bem visível no trabalho de George Segal, por exemplo, que, desde meados da década de 1960, passou a criar “ambientes, quadros tridimensionais em tamanho natural, que mostram pessoas e objetos reais em situações cotidianas [com temas comuns]. No entanto, a relação entre a imagem e a realidade é bem mais sutil e complexa do que a óbvia autenticidade da cena sugere” (JANSON, 2009, p. 415).
Já as instalações vão um pouco mais além, são verdadeiros cenários criados dentro de salas, em galerias e museus, que servem como ativadores do espaço arquitetônico, no sentido de envolver o espectador, levando-o a uma experimentação não só visual, mas também sensorial: ele pode agora ver, ouvir, tocar.
O campo teatral também sofreu influências dessa nova onda artística, o que fez surgir o teatro ambiental ou teatro ambientalista ou, ainda, segundo a nomeação inglesa, o environment theatre, que tem como princípio a ocupação total do espaço enquanto área física, inclusive mesclando cena e espectadores.
Essa forma de atuação envolve, como colocado por Richard Schechner:
[...] literalmente, áreas de espaço, espaços dentro de espaços, espaços que contenham, ou envolvam, ou se relacionam ou tocam todas as áreas em que se encontra o público e/ou atuam os artistas. Todos os campos estão ativamente envolvidos em todos os aspectos da representação[6] (SCHECHNER, 1987, p. 14).
Schechner ainda defende que o teatro ambiental é mais do que um teatro que usa o espaço sem limitações, ele é, também, uma questão de atitude, tanto do ator como do espectador, é saber o porquê e o como lidar com esse espaço sem fronteiras. Para o espectador, é deixar-se disponível para perder a passividade; já para o ator, é saber lidar com esse espectador ativo, pois sua presença é capaz de influenciar e modificar a cena.
Podemos aferir, disso, que a cena ambiental pertence a um campo multidisciplinar: talvez não se desenvolva como uma linguagem isolada, mas se apresenta em diversos campos, como um segmento possível de uma determinada área, por se envolver, por exemplo, com a arquitetura, o teatro, a performance, as artes visuais. Esse fato a coloca numa zona híbrida, pois tem como necessidade primeira tornar todos ou o máximo possível dos elementos que se encontram ao seu entorno como parte constitutiva da obra que se realiza, seja o espaço, sejam os espectadores.
[1] Termo introduzido em 1948, pelo autor Jack Keroauc, através da frase “Geração Beat”, que servia para denominar um círculo da geração novaiorquina da época, que seguia um estilo de vida antimaterialista e anticonformista
[2] Artista norte-americano, Allan Kaprow foi um dos pioneiros na constituição da performance arte, além de ter sido expoente na construção de environments e happenings, tendo sido também um dos responsáveis pelo início do estudo teórico acerca dessas artes.
[3] Artista alemão, escultor e performer. Associou-se ao grupo Fluxus, em meados da década de 1960, sendo considerado um dos seus membros mais influentes. Ficou conhecido por suas instalações e seus vídeos artísticos, os quais circularam por galerias e exposições internacionais desde a década de 1970.
[4] Tradução minha – “space that became the means for integral expression through the organic tie between architectural, plastic and pictorial means” (POLI, 2008, p. 158).
[5] Land Art é o título do filme de Gerry Schum (1969), no qual estão documentados os trabalhos de Walter De Maria, Robert Smithson, Michael Heizer, Dennis Oppenheim, Richard Long, Barry Flannagan e Marinus Boezem; e acabou virando referência para os trabalhos que se assemelham aos desses artistas.
[6] Tradução minha – Literalmente esferas de espacios, espacios dentro de espacios, espacios que contienen, o envuelven, o relacionan o tocan todas las áreas en que está el público y/o actúan los intérpretes. Todos los espacios están involucrados activamente en todos los aspectos de la representación. (SCHECHNER, 1987, p. 14).
Referências
JANSON, H.W. Iniciação à história da arte. 3ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2009
POLI, Francesco. Postmodern Art. 1945 – Now. NY: Collins Design, 2008
SCHECHNER, Richard. El teatro ambientalista. Árbol Editorial, México, DF, 1987.
